sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Ética e moral: são a mesma coisa?

 Ética e Moral
Suas relações e diferenciações
Dentro do senso comum, existe uma constante confusão entre o conceito de ética e o de moral. São tidos como sinônimos, podendo isso ser explicado por uma relação intrínseca entre os dois. O texto a seguir busca, ao invés de propor definições absolutas, expor ideias diversas que nos levam a perceber várias diferenças entre o conceito de ética e o de moral, junto com a percepção da definição de ambas.
Deve-se dizer, no que tange ao conceito de ética, que o texto a seguir não consiste numa mera explicação, ou somente um agregado de conhecimentos enciclopédicos sobre o significado da palavra (embora isso esteja incluso), mas sim uma proposta sobre diversas propostas, uma diferenciação a mais entre ética e moral. Uma dessas propostas seria a dos filósofos que seguiram Kant, esses que hierarquizaram ética por sobre a moral:
Schelling: “A moral em geral coloca um imperativo que só se dirige ao indivíduo, e exige apenas a absoluta personalidade do indivíduo; a Ética coloca um imperativo que supõe uma sociedade de seres morais e assegura a personalidade de todos os indivíduos através daquilo que ela exige de cada um deles.”, e para Hegel, a ética seria o reino da moralidade.*
Mais uma proposta a se seguir tange para o ideal de ética de H. Spencer: “que entende a Ética como um fragmento de um todo de que ela é inseparável e que é o estudo da conduta universal (Data of Ethics, cap. I).”*
Portanto, a meta do texto é levar ao leitor à possibilidade de reflexão sobre a abrangência do conceito de ética, e que limitá-lo a um sinônimo de moral seria um reducionismo, quebra de seu lado voltado para a sociedade concreta em relação ao seu lado universal, tão precioso dentro de suas definições, por motivos que irei demonstrar.
A ética, além de outras coisas, é a filosofia da moral, seu estudo e polimento. Estudar a moral por meio da ética é buscar aprimorar a moral humana, torná-la cada vez mais correta, perfeita. Oras, um seguidor absoluto da moral humana perfeita é obviamente uma meta utópica, porém é em busca de perfeição que se aprimoram os valores humanos, não é necessário acreditar que um dia essa perfeição será atingida, mas simplesmente entender que a busca pela perfeição é estar constantemente aperfeiçoando o ideal, o que nunca deixará de ser algo positivo e produtivo.
Segundo Espinosa, a felicidade consiste na passagem de uma perfeição menor para uma maior, e a tristeza, de uma maior para uma menor, doravante, para que uma pessoa seja verdadeiramente feliz, ela precisa conseguir se aperfeiçoar. Não “ser perfeita”, mas estar na constante busca por perfeição.
A moral, dentre muitas outras coisas, está para a ética como um objeto de estudo (de acordo com o parágrafo precedente).
O conceito de moral define e é definido pelo comportamento humano na sociedade, varia de acordo com a cultura em questão e o período sócio histórico. Uma das características do conceito de ética também varia de acordo com a cultura e período sócio histórico (e a diferença? Ninguém disse que isso ia ser fácil de entender!), vamos chamar essa característica de “o ponto de vista social da ética”, ou, para ficar mais fácil, “Moral social”.
ética e moral
            “(…) a ética exprime a maneira como uma cultura e uma sociedade definem para si mesmas o que julgam ser o mal e o vício, a violência e o crime e, como contrapartida, o que consideram ser o bem e a virtude, a brandura e o mérito.”**

A moral pode muito bem influenciar na busca ética, uma vez que ela pode influenciar as pessoas, e os estudiosos da moral são pessoas. Oras, se Fulano busca definir a moral perfeita, mas ao mesmo tempo é influenciado pela moral específica da sua sociedade de origem, Fulano possivelmente irá acabar por definir uma moral diferente da moral que Ciclano, em outro país e cultura, poderia definir. Daí parte uma qualidade do filósofo Bento de Espinosa, considerado um dos poucos que fugiu da moral do contexto em que vivia para definir uma Ética o mais absoluta e calculada o possível.
A ética não necessariamente influi na moral, uma vez que seu domínio depende muito do comprometimento intelectual dos envolvidos no conhecimento ético, ou seja: Assim como o antropólogo pode passar despercebido pelas linhas do tempo, a ética passa despercebida pelas decisões políticas e sociais de uma nação.
O mesmo país que pode possuir filósofos de qualidade, que buscam definir a moral por meio da ética, não necessariamente é o país que acatará às definições desses filósofos, uma vez que o povo não nasce sabendo desses conceitos (deve ir buscá-los, caso queira), e além disso, essas definições não poucas vezes vão contra os interesses dos políticos, aliás, podem lhes ser extremamente inconvenientes. Fato é, podemos dizer, que os moralistas buscam definir o significado da ética como seus próprios valores morais, que eles buscam impor sobre o povo, sendo isso algo equivocado e oposto ao caminho mais correto: O de buscar definir os valores éticos com base na reflexão constante e racional, que é o método espinosano.
Colocando portanto ambos os conceitos em questão, na prática, temos: A moral, definindo as (e definida pelas) decisões do indivíduo; a ética, explicando os motivos pelos quais ele tomou uma e não outra decisão moral e, ao mesmo tempo, chegando a conclusões que, idealmente, podem se tornar valores éticos que uma pessoa moral que busque ser correta deva seguir.
Uma vez que a ética possui esse caráter de aperfeiçoamento da moral, pode-se dizer que, ao menos idealmente, sua busca prima por alcançar uma moral universal, essa seria a moral mais ética. Nesse caso, temos o “ético” enquanto adjetivo, não mais simplesmente o estudo da moral, mas sua qualificação perfeita. A partir desse princípio, podemos concluir que uma pessoa pode muito bem ser extremamente moral em suas decisões, e nenhum pouco ética. Ao mesmo tempo, uma pessoa extremamente ética é, necessariamente, uma pessoa de boa moral, quanto mais avançados os estudos éticos estiverem em sua sociedade (ou somente seus próprios estudos sobre a Ética).

            “A moralidade é uma totalidade formada pelas instituições (família, religião, artes, técnicas, ciências, relações de trabalho, organização política, etc.), que obedecem, todas, aos mesmos valores e aos mesmos costumes, educando os indivíduos para interiorizarem a vontade objetiva de sua sociedade e de sua cultura.”**

Uma pessoa moral se guia pelos padrões morais que existirem em sua sociedade, ou até mesmo seus próprios padrões morais, baseados em suas experiências de vida. Uma pessoa ética se baseia em constantes reflexões racionais acerca das decisões que deve tomar em contextos que envolvem valores morais, trata-se do refinamento do intelecto, da percepção das necessidades humanas dentro de um ideal amoroso (contrário ao odioso), uma vez que prima-se por gerar um contexto de liberdade e harmonia mútua.
Sobre a liberdade e harmonia mútua, trata-se de uma conclusão ética acerca do que a moral necessita ser para atingir um ponto de bem estar social, não é uma conclusão eterna e perene, uma vez que os estudos éticos do passado nem sempre consideraram liberdade como uma necessidade humana e, por incrível que pareça, ainda existem os que não consideram-na como tal. Daí que podemos nos lembrar do que foi falado antes: O ser humano moral não necessariamente é um ser humano ético. Dependendo do ponto de vista, manter um escravo é um ato moral.
Existe um lado do conceito de ética caracterizado por um idealismo passivo. Estamos falando de um ideal de que muitas vezes as considerações humanas sobre a moral são limitadas, mas a ética é universal a princípio. É apenas um dos lados, quando o outro lado trata-se da ética na realidade concreta ou seja, o que já foi desenvolvido intelectualmente sobre a ética, pelos estudos feitos dentro da sociedade.
Esse lado idealista pode ser exemplificado. Vamos supor um determinado período histórico onde o conceito de ética está nos seus princípios, acaba de surgir a ética como um estudo da moral. Mas a escravidão ainda é aceita na sociedade, e os próprios filósofos da ética, ainda não perceberam que liberdade é um ideal fundamental para a ética, que deve ser incluso na prática moral (ou perceberam, mas não acham que faz sentido aplicar isso aos escravos, por motivos culturais). Logo, temos um contexto onde, embora a ética exista e busque aperfeiçoar o julgamento acerca da moral, ela não está sendo plenamente considerada, uma vez que não é plenamente conhecida.
O idealismo está justamente nisso: Uma vez que a ética possui um lado de “universalidade”, apenas idealmente pode o homem vir a conhecê-la totalmente em sua imperfeição humana, ele não conhecia a parte da ética que demonstra a escravidão como algo cruel, logo, embora os filósofos da época se considerem éticos, não o são devidamente.
Progressos ocorrem, o conhecimento ético aumenta, porém lacunas, muito possivelmente, sempre existirão. É como disse Sócrates, “Só sei que nada sei”, uma vez que quanto mais o pensador descobre, mais ele percebe que seu conhecimento é incapaz de abranger tamanha quantidade de informações presentes na realidade, ou possíveis na criatividade do intelecto.
De forma geral, e talvez generalista demais, a ética é definida pelo contexto intelectual de uma sociedade, enquanto a moral, pelo contexto sócio cultural. Guerras podem definir ferrenhamente a moral de uma nação, ainda mais no que tange às suas considerações sobre a dignidade de uma nação rival. Enquanto a ética, idealmente, permanece considerando a violência da guerra como algo cruel e negativo. Heróis irão ser moralmente ovacionados, enquanto eticamente julgados por tantos soldados inimigos que eles mataram.
Por fim, percebe-se que a ética está longe de se sujeitar à moral, protegida pelo idealismo passivo, diferente do homem que estuda a moral, pois ele é demasiadamente humano. Assim como a moral não se sujeita à ética, mas é avaliada por ela, por meio do pensador que o fizer ser.
Duas grandes diferenças entre a ética e a moral, portanto, são suas práticas, e o caráter dos seus idealismos. A ética é praticada como avaliação da moral, a moral é praticada como atitude social. A ética possui um idealismo que preza pela perfeição de suas considerações sobre o que é mais correto a se fazer, enquanto o idealismo da moral encontra-se na busca por conseguir ser plenamente moral, considerando que a moral em si já é perfeita, da forma como ela é defendida no contexto social em questão.
Novamente, o ser que busca se guiar pela moral, não busca uma moral perfeita, mas sim agir perfeitamente em termos de moralidade dentro do que é a moral na sociedade presente. Busca-se ser o mais perfeito herói, e não definir o que é o heroísmo, uma vez que isso já está definido. Já a ética busca criticar o herói, será que ele é mesmo um herói?
É por isso que a Moral social existe com tamanha força na política, ela vende seu produto de acordo com o que já existe no coração do povo, e a ética é muitas vezes tão mal aceita, pois ela busca criticar, racionalmente, muitas coisas que podem ser valorosas às paixões do povo.
Fontes das citações:
* Vocabulário técnico e crítico da Filosofia, André Lalande.
** Convite à Filosofia, Marilena Chauí.
Coleção primeiros passos: O que é ética e moral.
Otavio Millet no Blog Universo Racionalista.

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